24 de janeiro de 2012

Max Bartsch e a Orquestra Sinfônica

No final da primeira década do século XX, a primeira Grande Guerra era iminente em toda a Europa. A família Bartsch, em sua maioria residia na região de Munique, na Alemanha.
Após várias reuniões, Heinrich Bartsch, o patriarca, em nome da preservação das várias pessoas que compunham o núcleo familiar, comunicou a todos que iriam deixar sua pátria natal.
O primeiro destino, após chegarem em Hamburgo por terra, foi um navio até o porto de Liverpool, na Inglaterra, onde acabaram residindo por um ano e meio. Mas, enquanto o conflito crescia, a terra da rainha mostrou-se um lugar hostil para os germânicos, e cogitou-se a ida para os Estados Unidos. Entretanto, ao final de várias discussões, preferiu a grande maioria, vir para o Brasil, terra ainda pouco explorada, que provavelmente não entraria no conflito.
Chegaram ao porto de Santos e acabaram juntando-se à comunidade alemã, na cidade de Taubaté. Aos poucos, iam recebendo as notícias de que praticamente todos os Bartsch que resolveram ficar na Alemanha, pereceram na guerra.
O irriquieto jovem Max Bartsch, ouviu falar de uma cidade que despontava no interior paulista, que era Ribeirão Preto, e numa longa aventura de caronas em charretes, cavalos e longas caminhadas, chegou ao lugar que adotaria como sua terra pelos tempos vindouros.
Max era um faz tudo. Colocava ferraduras em cavalos, fazia pequenos consertos, mas acabou contratado pela prefeitura como jardineiro. Acostumado aos belos jardins alemães, começou a fazer um plano de urbanização e plantio de árvores nos arredores da cidade, já prevendo uma expansão futura. Seu amor eram as palmeira imperiais, e foi esta sua marca principal.
Foram suas mãos que plantaram as duas fileiras de palmeiras na alameda de entrada da Catedral e também nos vários quarteirões da Avenida Jerônimo Gonçalves, que se conservam até nossos dias.
Os alemães estavam em vários cargos da Companhia Antarctica, uma cervejaria que abastecia não só a cidade, como toda a região. Max começou como cervejeiro, mas em muito pouco tempo, chegou à gerencia geral da fábrica.
Já estava casado com  Emília Engracia, falava português muito bem, mas sempre com o forte sotaque que levou por toda a vida. Gostava muito de degustar a cerveja e o chopp que produzia, além do inseparável cachimbo, e, em pouco tempo, seu veio artístico começou a aflorar.
Max tocava um complicado instrumento alemão, chamado cítara, que era um misto de harpa e violão. A cítara, como o violino, tinha vários tipos tanto para acompanhamento quanto para o solo das melodias, variando em tamanho e número de cordas. Devido ao grande número de alemães, em breve conseguiram não só os instrumentos, como também as cordas necessárias e Max mostrou-se um excelente compositor.
Os saraus da cidade passaram a ser muito mais alegres, com as apresentações do Quinteto Max, com valsas e polkas das mais variadas.
Nesta época, em toda casa havia um piano ou alguma pessoa que tocasse ao menos um violino. E assim estas pessoas foram se agrupando e surgiu o núcleo do que seria a orquestra de Ribeirão Preto.
Max começou a perseguir esta idéia com todas suas forças, pois queria uma orquestra digna do belo teatro que aqui se construíra, o Theatro Pedro II. O dinheiro necessário para contratar profissionais, adquirir partituras, manutenção dos instrumentos, condições gerais de ensaio, era obtido tanto na Antarctica, quanto de outros patrocínios e fundos angariados nas várias festas feitas na cidade.
Partindo do quinteto Max, e com a força de vários abnegados, nascia uma orquestra que até hoje é orgulho não só da cidade como de toda a região, que forma vários profissionais na área e que já projetou muitos talentos musicais, fazendo intercâmbio com músicos de todo o mundo.
Ironicamente, Max Bartsch nunca tocou na orquestra, pois a cítara alemã não faz parte dos instrumentos clássicos, mas a felicidade de ver um sonho realizado valeu todos os esforços, naquele que foi um dos maiores orgulhos de sua vida.


Henrique Bartsch,
neto de Max Bartsch


Publicado na revista Movimento Vivace  Ano I n. 3 - maio de 2008




Henrique Bartsch


foto: divulgação


Na madrugada do dia 02/12/2011, faleceu aos 60 anos Henrique Bartsch, neto de Max Bartsch (fundador e primeiro presidente da OSRP) e autor da biografia "Rita Lee mora ao lado”. Em maio de 2008, Henrique publicou um artigo na revista Movimento Vivace por ocasião das festividades dos 70 anos da OSRP. Henrique também foi colaborador do Arquivo Histórico doando em maio de 2011 cópia da foto em que ele e Max estão juntos.






16 de janeiro de 2012

SOBRE O HINO DO COMERCIAL

A primeira notícia sobre a composição e execução do Hino do Comercial – o mais antigo hino entre os principais times de futebol no Brasil – remonta à edição do jornal A Cidade de 6 de junho de 1920 (mantendo-se aqui a grafia original):

Jardim Publico – A Banda “Independente”, em homenagem aos valorosos e bravos rapazes do “Commercial F.C.” executará hoje no coreto do Jardim Publico, o seguinte programma:
I Parte
Hymno do Commercial F.C., B. Pousa Godinho.
Aída, final do segundo ato, G. Verdi.
Viúva alegre, fantasia, Franz Lehar.
Sonho dourado, dueto, V. Georgio.
  II Parte
Trovador, Aria, G. Verdi.
Brasillianita, ouvertur, N.N.
Colloqui d’ Amore, Duetto, N.N.
Hymno do Commercial F. C., B. Pousa Godinho.

Portanto, a Banda Independente, sob a batuta do maestro José Delfino Machado (18?? – São Paulo, 1942), apresentava pela primeira vez no coreto (que não existe mais) do “Jardim Publico” (hoje Praça XV), o Hino do Comercial, autoria de Belmácio Pousa Godinho (Piracicaba, 1892 – Ribeirão Preto, 1980). O Hino do Comercial era estreado, portanto, sem letra, numa execução com versão para banda, abrindo e encerrando o concerto público que continha essencialmente trechos instrumentais de óperas e operatas românticas ainda de grande sucesso na época, num encontro pioneiro entre futebol e música. Comemorava-se, em junho de 1920, o triunfo dos alvinegros ribeirão-pretanos no Nordeste por ocasião da excursão ocorrida em abril daquele mesmo ano, quando o Comercial venceu os principais times locais, recebendo então o título de “Leão do Norte”. O próprio Belmácio atuou como ponta direita naquele time excepcional do Comercial, pois além de músico (flautista e compositor) era também jogador de futebol, tornando-se posteriormente ainda presidente do seu clube do coração.
Se estas fontes documentais (notícia de jornal) já nos indicam a existência do hino numa versão instrumental para banda sem letra desde 1920, contudo, esses manuscritos infelizmente ainda não foram localizados – se é que ainda existem. Já os manuscritos que citaremos agora (ver partitura em anexo), estão, por sirte, depositados na Biblioteca Central do Campus da USP de Ribeirão Preto. Os manuscritos autógrafos mais antigos que sobreviveram – ou seja, redigidos pelo próprio punho de Belmácio – não passam de esboços para piano sem indicação de data e sequer consta a letra. É provável que sejam da época da primeira gravação. Àquela altura (final dos anos 50 e início dos anos 60 do século passado), o professor Daniel Amaral Abreu (Ribeirão Preto, 1917 – 1978) escreveu a letra do hino. Há ainda, no entanto, uma partitura para piano manuscrita confeccionada posteriormente. Já ao ano de 1961 remonta a partitura sinfônica elaborada em manuscrito por Gilberto Gagliardi (São Paulo, 1922- Ribeirão Preto, 2001) e gravada pela Orquestra das Emissoras Associadas, sob regência do maestro Georges Henry (*Paris, 1919) – é esta gravação que ouvimos até hoje antes dos jogos e sempre ainda a mais difundida.
Por fim, numa entrevista ao jornal Destaque de São Paulo, a 15 de agosto de 1976, de Belmácio Pousa Godinho foi perguntado sobre suas obras, e declarou: “minhas composições que mais amo, amo de verdade, são Supremo Adeus e o Hino do Comercial, o Leão do Norte”.
Além de Belmácio Pousa Godinho, outros compositores históricos de Ribeirão Preto dedicaram obras musicais ao clube do coração e o mais querido da cidade, o Comercial Futebol Clube. Podemos citar o próprio José Delfino Machado, como também Maneco Silva (Ribeirão Preto, 1896-1964, violoncelista da OSRP), Edmundo Russomanno (Bragança Paulista, 1893 – Ribeirão Preto, 1963, também clarinetista e presidente da OSRP) e Angelino de Oliveira (Itaporanga, 1888 – São Paulo, 1964, autor da famosa Tristeza do Jeca, comercialino que acompanhava os jogos do comercial da Rua Tibiriçá nos anos 20), entre outros.
Para esta presente efeméride centenário do Comercial Futebol Clube (fundador a 11 de outubro de 1911), a OSRP está apresentando uma nova versão sinfônica por mim escrita para grande orquestra, mas respeitando os trabalhos anteriores e mantendo os fundamentos da brilhante partitura original de Belmácio P. Godinho, bem como da orquestração histórica de Gilberto Gagliardi.


 Rubens Russomanno Ricciardi
Professor Titular do Departamento de Música da FFCLRP-USP



Publicado na Revista Movimento Vivace – outubro / 2011


Clique para ver/ouvir:
Hino do Comercial pela OSRP regência Cláudio Cruz, orquestração Rubens Russomanno Ricciardi