7 de agosto de 2011

Rui Fonseca e a Tuba

O que leva alguém a tocar tuba? Este é o título da crônica bem-humorada do jornalista Alessandro Martins ao explicar sobre a tuba, sua história e o desafio de se tocar. E esta é a pergunta que apareceu quando vi Rui Fonseca pela primeira vez. 
Vestido com elegância, trajando seu chapéu, Rui Fonseca caminhou desde sua casa no Jardim Macedo em busca de um professor de música que tocasse especificamente baixo tuba. Com 92 anos comemorados no dia 17 de março, chama a atenção de todos por tanta disposição e conta sua história.

De uma família de nove irmãos, Rui viveu na cidade de Cravinhos e ficou órfão aos oito, quando o carro de seu pai foi atingido por um trem no cruzamento entre estradas a caminho de Serrana. Os irmãos foram separados, os meninos foram para a casa do avô, doada pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro por ocasião do acidente, e as meninas ficaram com a mãe que era costureira de uma fábrica de colchões.

Alguns de seus irmãos tiveram contato com a música, entre eles a professora primária Cândida que gostava de canto, Ruth que era grande pianista e chegou a se apresentar no Éden Teatro de Cravinhos (onde atualmente uma igreja) e o irmão Rúbio que tocava todos os tipos de instrumento “de ouvido”, além do avô, o relojoeiro Leon Grandejan que possuía os mais variados instrumentos musicais em casa. Também um de seus tios, o tio Armando, era violinista e chegou a tocar em 1919 na Companhia de Operetas Italianas que se apresentava em Cravinhos e, apesar de não ler partitura, era tão bom violinista que o maestro queria levá-lo para trabalhar como músico na Itália.

Na época, o município de Cravinhos era um grande centro urbano da região e possuía uma banda municipal regida pelo maestro Jorge Fonseca. Aos 17 anos Rui pediu ao maestro que lhe ensinasse música, recebeu a negação com o argumento de que toda a sua família tocava “de ouvido”. Mesmo assim, foi até a tipografia, comprou um caderno pautado, dirigiu-se até o ensaio da banda e novamente solicitou aulas de música. Segundo ele, não errava qualquer lição, a banda já solfejava enquanto ele ainda aprendia e em pouco tempo perguntou ao maestro: “Irei tocar trombone ou piston?”, e veio a resposta: “Irá tocar baixo aéreo”. A banda cedeu o instrumento e Rui tocou na cidade por três anos. Em 1940 mudou-se para Ribeirão Preto e passou a tocar na Banda Independente, do maestro Américo Silva que contava com 18 músicos.

A Banda Independente era contratada da prefeitura e mantinha duas salas na Rua Visconde de Inhaúma entre as ruas General Osório e São Sebastião que serviam como sede e para os ensaios. Os músicos tinham como compromisso se apresentar semanalmente no Bosque Municipal, na Praça 7 de Setembro e na praça de Vila Tibério. Na primeira hora de apresentação a banda oferecia um repertório de músicas populares e, na segunda, peças eruditas, sendo que no Bosque só tocavam músicas populares. Recebiam cachês e a maioria dos músicos não era profissional. Rui, por exemplo, trabalhava no pastifício e panifício Zanelo com diversas funções.

Tocou na banda até 1942 quando foi convocado para servir o Governo na II Guerra Mundial. Passou a trabalhar em uma fábrica de pólvora na cidade de Piquete-SP, onde ninguém queria trabalhar para não correr risco de intoxicação. Foi quando se apresentou como músico profissional e foi requisitado para tocar na Banda Militar de Piquete onde ficou por seis meses.

Em 1943 voltou para Ribeirão Preto e foi substituir músicos nos conjuntos: Jazz Imperial, Jazz Columbia, Jazz Casino Antarctica, Jazz Malzebier e Jazz Band Bico Doce. A maioria destes conjuntos era formada por ocasião do carnaval e logo se desfazia. Outros, como o conjunto Jazz Imperial, se apresentava nos bailes frequentados pela “alta sociedade” promovidos na “caverna” (subsolo do Theatro Pedro II) e em outros eventos sociais.

Nunca quis ser músico profissional, referindo-se ao trabalho como músico militar diz: “Não gosto de receber ordem”.

A música sempre significou amizade, tocava por gostar da atividade, assim, de graça e onde fosse chamado. “Eu, como músico, no meu instrumento, era maestro”. Muitas vezes dispensava o cachê. Depois de se casar em 1947 com D. Elídea Farinha Fonseca vieram os filhos José Renato, Valter e Regina e Rui passou a se dedicar apenas à família. “Sou muito caseiro”.

Animado com tantas lembranças, diz que todo músico tem muita história para contar. Quando perguntado sobre seu acervo pessoal diz que tudo se perdeu no tempo, inclusive o smoking, vestimenta para os bailes. Recentemente ganhou uma tuba da fábrica Weril de São Paulo, mas ainda espera encontrar um professor por aqui. O que leva alguém a tocar tuba? Contingência. Aí está o exemplo de Rui Fonseca. Está certo o jornalista Alessandro Martins.




Gisele Haddad

arquivohistorico@osrp.org.br

Publicado na Revista Movimento Vivace Ano IV nº 33 Junho de 2011.