7 de agosto de 2011

A Música Brasileira

Iniciamos, desde o mês de outubrode 2009, uma série de transcrições de antigos jornais de Ribeirão Preto (a partir da década de 1930), contidos no Arquivo Histórico da OSRP, com a finalidade de trazer para o conhecimento público, informações sobre a história da OSRP e da história da música de Ribeirão Preto.


A Música Brasileira - O que pensa, a respeito, maestro Ignácio Stabile – O próximo concerto da Sociedade Musical de Ribeirão Preto.


De Mario C. Délia, em reportagem especial para o jornal “Diário da Manhã” de 09 de janeiro de 1940.


Em uma destas ultimas tardes mornas de Ribeirão Preto, convidados especialmente, fomos ouvir, no subterrâneo do Theatro Pedro II, o ensaio do próximo concerto da Sociedade Musical de Ribeirão Preto.
Lá estava o maestro Ignácio Stábile, a reger a nossa symphonica e, embora o adiantado da hora, ainda conseguimos ouvir algumas musicas.
Terminado o ensaio, aproximamo-nos do maestro para cumprimental-lo e este foi nos dizendo á queima-bucha como é de seu natural: “O Sr. Que tanto tem escripto sobre a necessidade de se divulgar a musica brasileira, vae ter o seu desejo satisfeito. O 9 concerto da Musical, terá a segunda parte toda dedicada a músicos brasileiros...”
- “Bravos, maestro, até que enfim, vamos entrando nos eixos...”
- “Há de me permitir, no entanto, que eu lhe diga o que penso da musica brasileira e das grandes dificuldades na organização dos programmas nacionaes.”
-“Terei immenso prazer em ouvi-lo e transmitir assim as suas impressões aos leitores do Diário da Manhã”.
- “Quando se fala em musica brasileira ao noss pensamento acodem os característicos sambas ou marchinhas carnavalescas, que em geral, não passam de plágios de motivos de velhas melodias do repertorio internacional...
Pensa-se também nas tristes sertanejas que nos chegam do Norte do Paiz, nas emboladas, nos desafios de caboclos, com acompanhamento de violas e violões, e pensa-se, em summa, em todos os gêneros de composições que nos enviam os morros.
E difficilmente existe quem se atreva a pensar de modo diverso, crer com convicção que neste grandioso Brasil há uma grande producção musical e elegante, fina e harmoniosa – a qual, embora conservando a sua característica local – póde, sem desdouro, antes com orgulho, ser executada em qualquer centro artístico, nada ficando a dever á musica de outros paizes...
-“Interessante, maestro, a sua explanação. Continue, continue...
-“Essa grande producção genuinamente brasílica, afastando-se do gênero popular e regional – é a verdadeira expressão do sentimento artístico musical dum povo forte, duma nação privilegiada e duma raça que se vae formando. E Ella, é preciso que se diga, vem sendo procurada por todos os cultores da boa musica e não raras vezes transpõe os confins de sua pátria, para diffundir-se pelo mundo afora!
Essa musica, livre dos motivos obrigatórios do regionalismo e do folk-lorismo, constitue o patrimonio clássico da nossa Nação!”
Perguntamos, então, ao illustre maestro Stabile:
-“Quaes são, a seu ver, os autores brasileiros capazes de offerecer aos seus compatriotas cultores do Bello, composições artísticas, quer as de ‘camera”, quer as “symphonicas” enriquecendo por essa forma o nosso patrimônio musical?”
-“Existe um reduzido numero...A maioria do nosso publico, ainda não fez a esses verdadeiros abnegados a justiça que bem merecem. Deixando de lado a plêiade dos compositores que annualmente nos brindam (especialmente por occassião do Carnaval) com musicas de discutível originalidade – existe – completamente a parte – um pequeno grupo de compositores fecundos, que já deram e continuarão a dar a o Brasil, uma producção de inegável valor artístico. Nepomuceno, Braga, Villa-Lobos, Fernandes, Mignone, e mais uma dezena de outros abnegados, constituem, sem duvida, um excellente núcleo de avanguarda da expressão musical brasileira e que sem tecer critica, se esforça para tornar cada vez mais bella a forma musical tipycamente nossa, elevando-a a um ponto onde deve sempre estar – cheia de beleze e de expressão.
O Brasil, ou melhor, os brasileiros, não conhecem, infelizmente, a sua própria musica. Vou além: a maioria dos brasileiros ignoram-na, completamente.
Parece que o povo não quer se libertar da influencia dos morros onde predomina a cadencia do samba. Os grandes esforços e os ingentes trabalhos dos “puros” da musica nacional encontram sempre grandes obstáculos na incomprehensão e na indifferença da grande massa do nosso povo...”
Mignone, Villa-Lobos, Fernandes, Burle-Max e outros tiveram applausos e recompensas no estrangeiro, onde encontraram publico para as suas composições. Aqui não. Falta-nos ainda, aquelle mínimo de preparação e de educação artístico-musical sufficientes para formar em torno dos nossos autores – aquelle ambiente e aquella atmonsphera sem os quaes os mesmos nunca poderão encontrar sympathia na sensibilidade popular...”
-“Mas essa apatia, maestro, por parte do publico, é da falta de diffusão da nossa verdadeira musica...”
-“É lógico. O povo procura assimilar as melodias mais em voga. Mas isso não quer dizer que ao nosso povo falte a sensibilidade das formas mais elevadas da musica. Falta-nos qualquer cousa para vencer essa apatia. Com uma constante, ininterrupta diffusão da producção musical fina, puramente nacional, poderíamos nos libertar das formas chamadas plebéas... Bastaria, para começarmos, que o nosso Governo fornecesse obrigatoriamente, atravez de programmas radiophonicos, bem cuidados, alguma cousa de mais fino, de mais aristocrático – musicalmente falando – uma das formas intelligentes de começar a diffundir a arte genuinamente nacional...”
-“E poderia me dizer agora quaies são os numeros de musica brasileira no 9.o Concerto da Symphonica?”
-“Daremos duas peças de Mignone – a “Congada”, e o poema symphonico “Caramuru”, e o interlúdio do 3º acto da opera “Condor” de Carlos Gomes. Todas em primeira audição.”
Da primeira parte constam – Rosamunde, de Schubert, a “Dansa macabra” de Saint Saens, que será executada novamente attendendo a insistyente pedidos – e a “Cavaleria Ligeira”, de Von Suppé. Da terceira parte, daremos “Coriolano”, do grande Beethoven e a ouverture dos “Mestres Cantores” de  Richard Wagner”.
-“Excellente programma,  maestro, e devemos felicita-lo pela escolha das musicas. Antevemos que a noitada de 22 do corrente marcará mais um triumpho para a Sociedade Musical de Ribeirão Preto”.
E entre um aperto de mão e um sorriso amável do illustre Maestro, despedimo-nos. Havíamos obtido uma excellente reportagem sobre a musica brasileira – excellente, por que traduz o pensamento de um dos mais competentes regisseurs desse prodígio de realização que, sem duvida, é a Sociedade musical de Ribeirão Preto.



Jornal “Diário da Manhã” 10 de janeiro de 1940.

Hontem demos em primeira mão, graças à reportagem sobre o Maestro Stabile, noticias do que vae ser o próximo concerto da Sociedade Musical de Ribeirão Preto, a ser realizado no dia 22 do corrente mez.
Hoje, podemos divulgar que o illustre Sr. Stabile recebeu amável carta do maestro Francisco Mignone – uma das expressões mais acatadas da musica brasileira – em que este, agradecendo a feliz lembrança da inclusão no concerto de suas musicas de sua autoria, enviou o argumento do”Caramuru” – cuja composição data de 1917.
O poema symphonico foi vasado para dar vida ao seguinte argumento – extrahido da nossa historia pátria:
“Tempestade. Naufrágio da nave em que navega Diogo Álvares Corrêa, em amres do Brasil. Diogo Álvares consegue salvar-se e escapar á sanha dos selvagens, disparando o seu mosquete contra um pássaro que voa e provocando assim a admiração e o assombro dos selvicolas. Estes exclamam Caramuru, Caramuru! Côros e dansas indígenas em honra de caramuru, o filho do trovão.”


Gisele Haddad

arquivohistorico@osrp.org.br

Publicado na Revista Movimento Vivace Ano III nº 22 março de 2010.